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A vida de Kevin Sherlock, 40 anos para uma biblioteca sobre Timor-Leste

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Díli, 01 set (Lusa) - Alinhados em prateleiras, lombada com lombada, pasta com pasta, os documentos da coleção sobre Timor-Leste do australiano Kevin Sherlock, que morreu há um ano, percorreriam mais de 250 metros.

Curioso e documentalista, Kevin Sherlock, que na sua vida 'normal' era funcionário de uma livraria, transformou o seu apartamento em Darwin, no norte da Austrália a poucas centenas de quilómetros de Díli, num arquivo único que retrata a história de Timor-Leste.

John Waddingham, o arquivista e responsável do projeto CHART (Clearing House for Archival Records on Timor) que acaba de passar várias semanas a analisar a obra de Kevin Sherlock, em breve acessível a investigadores, elogia a dimensão e o método do investigador, que morreu a 02 de outubro de 2014.

"São muitos metros. Reunidos com esta paixão de Kevin encontrar tudo sobre Timor-Leste", transformando-o numa "enciclopédia ambulante" e "fonte de referência insubstituível para todos" os que estudassem o país, refere.

O trabalho da CHART tem sido identificar coleções privadas, de organizações, sobre Timor-Leste que existam na Austrália e depois ajudar a que sejam integradas em arquivos já existentes, para assim as tornar mais acessíveis ao público.

"Há coleções muito grandes, algumas das quais não estão ainda disponíveis publicamente. A do Kevin é importante por causa da recolha de material da era colonial. Tem muito material pós 1975, mas a força da sua coleção está nos documentos da era colonial portuguesa", explica.

As centenas de livros, milhares de documentos e outro material recolhido, catalogado e indexado ao longo de 40 anos por Kevin Sherlock, estão hoje ao cuidado da principal universidade do Território Norte da Austrália, depois de terem sido ponto obrigatório de consulta.

Académicos, ativistas, jornalistas ou outros interessados na questão de Timor-Leste ao longo dos anos sempre encontravam em Kevin Sherlock um apoio insubstituível na busca de informação.

José Ramos-Horta, que primeiro desafiou Kevin Sherlock a arrancar com a sua coleção, recordou, num obituário aquando da sua morte, a "odisseia" de um homem "tímido e discreto", que "nunca falhava nenhum evento sobre Timor-Leste".

Deixou, escreveu o Nobel da Paz, "uma bibliografia única e enormemente rica sobre Timor-Leste" que começou "nos anos 70, na era antes dos computadores, com uma máquina de escrever em que detalhava" os índices da sua coleção.

Em 2000, numa nota autobiográfica, o próprio Kevin Sherlock recorda o momento que marcou a sua vida: uma visita turística a Díli entre 25 de julho e 08 de agosto de 1974.

O interesse em saber mais levou-o a fazer as primeiras fotocópias de alguns artigos, que encontrou no Departamento de Antropologia do Museu da Austrália do Sul e da Biblioteca Estatal em Adelaide.

Em maio de 1975 conheceu Ramos-Horta e, a seu pedido, compila uma primeira "Bibliografia provisória de Timor e das ilhas vizinhas", um projeto com 17 páginas que enviou ao líder timorense.

A situação política em Timor-Leste impediu que regressasse ao país em 1975 mas o seu interesse pelo território só aumentou e a sua pesquisa cresceu, vasculhando coleções de bibliotecas, arquivos, comprovando que havia pouco ou nada sobre a ilha.

No ano seguinte publicou uma segunda lista bibliográfica sobre Timor, já com 34 páginas e logo a seguir um dicionário de Timor-Leste com os nomes de todas as terras que tinha identificado, com referências de latitude e longitude.

Em 1980, passou quase um ano em Portugal, onde visitou todos os grandes arquivos nacionais, além de livrarias e alfarrabistas, e em 1983 deslocou-se a Macau onde ampliou significativamente a sua coleção, especialmente do período colonial.

Sherlock deixou claro que pretendia que a sua coleção ficasse sempre em Darwin, a cidade não indonésia mais próxima de Timor-Leste e ali permanecerá, integrada na coleção da universidade do Território Norte, que em 1993 comprou, através de uma empresa britânica, uma grande coleção portuguesa sobre Timor-Leste.

O objetivo é que, muito em breve, e quando passa um ano da morte de Kevin Sherlock, a coleção possa, finalmente, voltar a estar acessível para investigadores, ainda que, desta feita, sem a sua maior referência: o seu criador.

ASP // FV.

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