Beatriz Gamboa, opinião
Volvidos 14 anos da declaração da restauração da independência de Timor-Leste, em 2002, podemos e devemos fazer um balanço percentualmente positivo sobre as políticas implementadas e toda a envolvência que delas resultaram. É certo que muito falta concretizar e solidificar em tão recente país e democracia mas também é certo que um dos grandes bens para a humanidade e igualmente para os timorenses é a paz. A paz em Timor-Leste é um facto que se constata quotidianamente, exceptuando uma ou outra escaramuça, uma ou outra instabilidade política que só o é por na maior parte dos dias e momentos se respirar paz. Esse é um bem maior que importa manter e preservar.
Timor-Leste tem sérios problemas causados pela corrupção, pelo conluio e pelo nepotismo – comummente referido em tétum por KKN – mas também tem tido um setor da Justiça que tem colmatado alguns desses tentáculos tão nocivos à democracia e à melhoria da qualidade de sobrevivência e de vida dos timorenses mais carenciados. Disse, com verdade, o presidente Taur Matan Ruak que Timor-Leste na sua existência de uma década enquanto pais já julgou e condenou mais corruptos, incluindo ministros, que países centenários que têm a corrupção como um dos seus principais problemas.
Neste curto período da existência de Timor-Leste enquanto país livre, independente e democrático, registou-se em 2006 uma crise político-militar que não podemos esquecer. Foi uma lição para os que desprezaram a estabilidade e tomaram por valor transcendente os seus interesses, ambições e conluios político-partidários. Principal responsável: Xanana Gusmão. Evidentemente que também elementos da Fretilin tiveram a sua quota parte de responsabilidades ao esboçarem manobras aventureiristas que facilitaram o golpe de Estado a Xanana Gusmão, à sua clique e às forças australianas presentes no terreno com a missão secreta de ocuparem à socapa Timor-Leste e conduzirem o país a uma democracia fantoche que elegeria um governo fantoche, possibilitando assim, aos interesses económico-financeiros dos neocolonialistas australianos controlarem o país e apossarem-se desmesuradamente da fonte de receita principal que é o petróleo timorense. Neste período também foi notória a falsidade dos EUA, alinhados com a Austrália. Disso foram testemunho as atividades dos agentes das secretas de ambos os países.
Tempos idos, convulsivos, usurpadores de vidas de mais alguns timorenses – como se anteriormente não tivesse bastado o genocídio praticado pelas forças ocupantes indonésias durante mais de duas décadas. Só nessa chacina cerca de 200 mil timorenses pereceram, estando por encontrar muitas valas comuns, para além dos que foram lançados aos tubarões. Honremos sempre em homenagem essas vítimas.
Na atualidade Timor-Leste parece um caldeirão em efervescência… mas só politicamente. É a democracia a funcionar e a demonstrar quanto forte e saudável está a crescer. Um dos episódios mais recentes teve que ver com a exoneração do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Lere Anan Timor, e nomeação de um novo elemento pelo PR Matan Ruak, o governo opôs-se e o PR não teve outra solução de que aprovar a alternativa de prolongar os mandatos dos comandantes das Forças Armadas timorenses, incluindo o Chefe do Estado-Maior. O processo demorou algumas semanas até chegarem a consenso, houve um braço de ferro entre governo e Presidente da República, declarações daqui e de acolá, parlamentares à mistura, analistas, ruídos que aproveitaram a comunicação social para tecer as suas opiniões de acordo com as suas perspetivas político-partidárias e interpretativas da Constituição. No final foi a democracia que funcionou. Tudo está bem quando acaba em bem. E este episódio demonstrou quanto forte está a enraizar-se e florescer a democracia timorense.
Carenciados e esfomeados
A grande injustiça que grassa em Timor-Leste tem que ver com a falta de equidade da distribuição das receitas que permitem a alguns enriquecerem e à maioria terem de sobreviver na pobreza, na miséria extrema, na subalimentação, subnutrição… esfomeados. Esta realidade é a faceta tortuosa dos países de todo o mundo (uns mais que outros), uma realidade alimentada por políticas erradas que são a nódoa negra do país. Sem necessidade de que assim aconteça. Mas acontece, a sua manutenção deve-se a grupos de interesses que nem são democráticos nem humanos. A esperança é que o atual governo e os vindouros ponham cobro à devassa de tais grupos, a tais interesses de cariz financeiro, mafioso e antidemocrático.
Com carenciados e esfomeados nem a Justiça é plena nem a democracia pode usar com legitimidade o D grande numa meia-ilha, num país, que tem um grande povo e merece possuir nos poderes dirigentes condicentes com a sua grande estatura: os timorenses, as timorenses.
Restaurou-se a independência. Ainda falta mais e melhor democracia, mais e melhor justiça social, mais e melhor combate à corrupção. Mais e melhor Timor-Leste.
Informação
Por breve período, este fim-de-semana, o Timor Agora reduziu significativamente as suas publicações, comemorámos a nosso modo a Restauração da Independência. Regressamos em pleno.