Díli, 09 fev (Lusa) - A ex-ministra timorense da Justiça Lúcia Lobato, condenada em 2012 por participação económica em negócio, disse hoje à Lusa que vai estudar a hipótese de avançar com um processo judicial contra dois juízes portugueses que podem ter prejudicado o seu caso.
O jornal Expresso noticiou no sábado que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) português anulou uma pena de 40 dias de suspensão que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) tinha aplicado à juíza Margarida Veloso, uma antiga inspetora judicial em Timor que denunciou e acusou dois colegas portugueses de manipular e influenciar o processo judicial que levou à condenação a uma pena de prisão de Lúcia Lobato.
"A recorrente (Margarida Veloso) denunciou factos notoriamente integrantes de graves ilegalidades e irregularidades procedimentais suscetíveis de, no mínimo, serem causa de grave prejuízo para a arguida Lúcia Lobato", refere o acórdão do conselheiro Oliveira Mendes, divulgado pelo Expresso, referindo-se à atuação de Rui Penha e Cid Geraldo, dois desembargadores colocados em Timor e alvo das denúncias da juíza.
Margarida Veloso tinha sido alvo da pena de suspensão por denunciar ao CSM que os juízes em causa, que mantiveram a condenação da ex-ministra timorense, não foram isentos, citando um mail em que um deles se congratula com a decisão.
Recorde-se que Lúcia Lobato foi condenada em 2012 a cinco anos de prisão por participação económica em negócio por prejuízo ao Estado timorense de 4.200 dólares, tendo recebido a 30 de agosto de 2014 um indulto do Presidente timorense, Taur Matan Ruak.
Um pedido de "habeas corpus" (libertação imediata) foi rejeitado pelo Tribunal de Recurso.
"Fui informada da noticia, mas ainda estou à espera de receber o acórdão do STJ para que o analise em detalhe com os meus advogados. Naturalmente que vou estudar a possibilidade de avançar com processos contra os juízes", disse à Lusa Lúcia Lobato.
"O Tribunal Supremo português não se pronunciou sobre os factos, mas confirmou que o meu processo estava errado, que os juízes não aplicaram a lei como deve ser. Isto é um facto que devo considerar muito seriamente", afirmou.
Lúcia Lobato considera que a decisão do STJ português confirma o que sempre disse: "eu não fui julgada por magistrados, fui julgada por mafiosos e como timorense não admito e nunca admitirei isso".
"A justiça deve ser administrada por juízes com capacidade e isenção. Eu só peço justiça e que o tribunal julgue e se pronuncie e se alguém tiver sido culpado que seja condenado", afirmou.
Lobato considera que a decisão do STJ não a surpreende e que vem confirmar o que sempre disse, que o seu processo "não estava a ser bem conduzido", reafirmando a sua convicção de inocência.
"Não cometi nenhum crime e recebi aquela condenação. E quando recebi a denúncia da juíza Margarida Veloso fizemos uma queixa contra esses dois juízes portugueses, a juíza timorense Natércia Gusmão e o juiz Luis Goia, mas a queixa foi arquivada em tempo recorde. Em apenas duas semanas, um recorde para Timor", afirmou.
"O recurso que fiz sobre esse arquivamento ao Procurador-Geral da República, em 2013, ainda nem sequer teve resposta", afirmou.
Recorde-se que na queixa que apresentou ao CSM em fevereiro de 2013, Margarida Veloso considera que as decisões relativas a este processo "padecem de erros jurídicos suscetíveis de contender com a Justiça, no caso concreto, e com o sistema de justiça no seu todo".
A ex-inspetora relata que, após a decisão sobre o pedido de libertação imediata (habeas corpus), recebeu um email de Rui Penha, que conjugado com o teor das decisões tomadas no caso Lúcia Lobato, a levam a concluir que "a independência dos tribunais" de Timor-Leste "pode ser posta em causa".
Margarida Veloso alertava na sua queixa que, atendendo aos factos referidos no email, um dos juízes internacionais do caso (também identificado na denúncia) decidiu a desfavor da antiga ministra sob ameaça de não ver o seu contrato renovado.
Segundo factos relatados, a ameaça de não-renovação do contrato terá partido de uma magistrada timorense Natércia Gusmão (atual presidente em funções do Tribunal Supremo), caso este decidisse a favor da libertação de Lúcia Lobato, através da aceitação do pedido de 'habeas corpus'.
"Convém frisar que a gravidade dos factos não se circunscreve ao caso concreto, e muito menos por a arguida ter sido uma destacada figura do anterior Governo de Timor Leste, mas porque compromete de forma irremediável o sistema judicial no seu todo, sobretudo num país em que o sistema de justiça está numa fase embrionária e de consolidação", refere a carta enviada ao CMS a que a Lusa teve acesso na altura.
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