Pequim, 18 jan (Lusa) - Familiares e amigos de Gui Minhai, o livreiro de Hong Kong que no domingo apareceu na televisão chinesa após ter sido dado como desaparecido há três meses, afirmaram hoje duvidar da veracidade da sua confissão.
Gui, editor e dono da livraria Causeway Bay, célebre por vender obras críticas do regime comunista chinês, afirma numa gravação transmitida em diferido na televisão estatal CCTV que se entregou às autoridades em final de outubro passado.
No seu depoimento, eclarou-se culpado pelo atropelamento e morte de uma jovem de 20 anos em 2003, na cidade de Ningbo, província chinesa de Zhejiang.
O livreiro, que tem dupla nacionalidade chinesa e sueca, afirmou ainda que conduzia embriagado.
"Tinha medo de ser preso, sabia que não tinha futuro no meu país e decidi escapar", disse, por outro lado, à agência oficial chinesa Xinhua, a partir de um centro de detenção na China.
Nestas declarações, Gui assume a culpa pelo acidente e o "desejo de ser punido" e pede às autoridades suecas para não interferirem no assunto.
Em declarações ao portal de notícias The Initium, a esposa de Gui, que se encontra na Alemanha, afirmou desconhecer aquele acidente, num testemunho partilhado pela filha Angela Gui, que disse ainda que a confissão se assemelha a um guião e que o seu pai terá sido sequestrado.
A organização de direitos humanos Amnistia Internacional (AI) levantou também dúvidas sobre a credibilidade das confissões de Gui à televisão oficial chinesa.
"A confissão não abordou temas cruciais: Qual é o paradeiro exato de Gui? Estará detido de acordo com a lei na China? Se é esse o caso, terá tido acesso a um advogado? Terá direito a receber visitas de diplomatas, de acordo com as leis internacionais?", questionou a AI.
O desaparecimento de Gui Minhai foi tornado público em 5 de novembro passado pelo gerente da livraria Causeway Bay, Lee Bo, que também desapareceu, no dia 01 de janeiro.
O chefe do executivo de Hong Kong, CY Leung, disse hoje que o seu governo tem opções limitadas para intervir na situação de Gui, visto que o desaparecimento não ocorreu no território da ex-colónia britânica, mas na Tailândia, onde também não foi denunciado.
A imprensa estatal chinesa admitiu, entretanto, que a detenção de Gui envolve mais do que um acidente de carro.
A agência oficial chinesa Xinhua disse que o livreiro é também suspeito de outros crimes, que estão agora a ser investigados.
Já o Global Times, jornal de língua inglesa do grupo do Diário do Povo, o órgão central do Partido Comunista Chinês, detalhou que os delitos estão relacionados com "ataques maliciosos ao sistema político do país", através da sua livraria.
Nas redes sociais chinesas, o caso também levantou suspeitas entre os internautas.
"Decidiu regressar a casa para se entregar e nem sequer avisou a esposa?", lê-se num comentário.
Quatro outros associados de Gui (Lee Boo, Lam Wing-kei, Lui Bo e Cheung Jiping) desapareceram também depois de terem visitado, separadamente, o interior da China.
A suspeita de que os livreiros foram detidos por homens ao serviço das autoridades chinesas desencadeou uma onda de revolta e preocupação em Hong Kong, por constituir uma flagrante violação do princípio "um país, dois sistemas".
De acordo com aquela fórmula, as políticas socialistas em vigor no resto da China não se aplicam em Hong Kong e Macau, (exceto nas áreas da Defesa e Relações Externas, que são da competência do governo central chinês) e os dois territórios gozam de "um alto grau de autonomia".
A livraria Causeway Books, entretanto de portas fechadas, vende obras críticas do regime comunista, proibidas no interior da China.
Pequim recusou fazer comentários sobre este assunto.
JOYP // APN