As flores, com votos de prosperidade e sucesso, ainda estão frescas no novo escritório do advogado Vong Hin Fai, que constituiu uma sociedade familiar com o intuito de promover os seus filhos. Em entrevista ao PONTO FINAL, o deputado considera as divergências entre parlamentares e Governo na Assembleia Legislativa como “normais” e acredita que não haverá oposição a uma reforma política na RAEM. Defensor da lei sindical, considera que o Governo deve ouvir a população em temas sensíveis. Vong Hin Fai acredita que foram as dúvidas sobre os 16 lotes retirados da lista de terrenos a recuperar pela Administração que levaram Chui Sai On a pedir uma investigação ao Comissariado Contra a Corrupção.
PONTO FINAL – Na última semana a China aprovou uma nova lei de segurança nacional. Com que ameaças se defronta o território chinês na actualidade?
Vong Hin Fai – Sobre esta nova lei, não cheguei a ler o seu conteúdo com cuidado, preciso de uma leitura em detalhe para fazer comentários.
– Pensa que a nova lei deve ser aplicada em Macau? Ou a lei de segurança da RAEM é suficiente?
V.H.F. – Bom, para que qualquer lei nacional tenha aplicação em Macau, de acordo com a nossa Lei Básica, existe um regime e um processo estabelecido. Eu penso que as regras da Lei Básica devem ser cumpridas integralmente.
– No último plenário da Assembleia Legislativa, foram vários os deputados que reclamaram da falta de transparência do Governo em relação aos terrenos não aproveitados a serem reavidos pela RAEM. Qual é a sua apreciação do caso?
V.H.F. – Primeiro temos que estudar o nosso código do processo administrativo. Nos processos administrativos os interesses dos privados, dos particulares, devem ser respeitados, nomeadamente durante a pendência do processo administrativo. Só os legalmente interessados podem ter acesso às informações do processo. Esse é um ponto que temos de realçar para assegurar a essência do nosso código jurídico. Tendo em conta o interesse público, agora que os terrenos não aproveitados já tiveram a sua caducidade declarada, o Governo legalmente tem deveres para com o público, publicando os despachos de caducidade no Boletim Oficial. O secretário Raimundo do Rosário, através da sua participação nas reuniões da comissão de acompanhamento da Assembleia Legislativa, revelou o que se passou em relação aos 18 lotes que foram declarados caducados. Em relação aos outros terrenos, aqueles 16 lotes sobreviventes, eu penso que o Governo, a administração, trouxe a público as respectivas informações, dados concretos da localização e dos nomes dos seus concessionários. Neste momento a revelação dos dados é oportuna, tendo em conta o cumprimento das regras constantes do código de procedimento administrativo e o interesse público, o direito à informação por parte da população.
– Alguns deputados compararam a situação dos terrenos a casos anteriores de corrupção. O Chefe do Executivo pediu mesmo uma investigação ao Comissariado Contra a Corrupção …
V.H.F. – Pediu porque foram suscitadas várias dúvidas sobre o andamento, sobre a legitimidade, sobre a eventual legalidade ou ilegalidade, ou qualquer vício nos respectivos 16 processos. Tendo em conta as dúvidas levantadas por algumas pessoas, o Chefe do Executivo teve de instruir o comissariado para averiguar se existe ou não qualquer falha ou problema nos respectivos procedimentos. É conveniente que a sociedade saiba o que se passa em termos processuais sobre estes 16 lotes.
– Nos últimos debates na Assembleia Legislativa tem havido muita polémica, com muitas críticas a propósito da lei sindical e da discussão do salário mínimo. As diferenças entre o Governo e os deputados estão a aumentar?
V.H.F. – É natural e é normal que existam opiniões diferentes, divergências, opiniões divididas. A Assembleia é uma plataforma para discutir os assuntos com base em interesses diferentes. Em relação às iniciativas dos colegas (neste caso em relação aos projectos de Pereira Coutinho), desde há quatro ou cinco anos estas iniciativas não têm sido aceites pelo plenário. Eu penso que isto resultou de uma decisão colectiva do plenário. Se calhar, porque estas iniciativas ainda não foram discutidas na concertação social, ou porque não resultaram de um consenso entre os vários interesses da sociedade, no caso da lei sindical, pelos sectores patronal e dos trabalhadores. De qualquer maneira, quando se aprovar um diploma – quer na generalidade ou na especialidade – tal aprovação deve resultar de um consenso entre os vários interesses e sectores da nossa região.
– Vários parlamentares disseram que se o Governo apresentar uma proposta de lei sindical irão votar a favor…
V.H.F. – Eu penso que a Lei Básica demonstrou, em termos de enquadramento, a compreensão dos interesses e dos direitos dos trabalhadores, incluindo o regime de sindicato. Olhando para o futuro da RAEM, eu penso que a lei sindical deveria ser aprovada. Porém, antes da sua apresentação na Assembleia, deve ser realizada uma consulta pública, nomeadamente junto dos interesses patronais e dos trabalhadores. Não para que haja consenso, mas uma aproximação das diferentes posições e pontos de vista. É preciso que existam condições mínimas para a discussão no plenário da Assembleia. Pessoalmente, eu não me oponho à lei sindical.
– O seu colega Gabriel Tong diz que a lei sindical implica o precedente da existência de partidos políticos na RAEM. Concorda com esta perspectiva?
V.H.F. – Macau é uma sociedade muito pequenina, eu penso que a nossa cultura associativa, que existe desde a década de 1950 e se mantém nos dias de hoje, tem a sua razão de ser. Assim, sobre os partidos políticos em Macau, eu tenho dúvidas sobre a sua razão de ser, pelo menos a médio prazo. As associações em Macau, com os seus diversos interesses, desempenham um papel muito significativo na nossa vida social, económica e política. Funciona bem esse regime e essa cultura associativa. Não vejo razões para alterar profundamente essa cultura associativa de Macau.
– É presidente da Comissão de Regimes e Mandatos da Assembleia Legislativa. O que é preciso para a AL funcionar melhor?
V.H.F. – Comparando com as condições existentes antes da transferência de soberania, eu fui jurista entre 1993-95 e naquela altura os deputados não tinham tanta assistência e assessoria como agora. O número de funcionários e juristas aumentou significativamente e todos os deputados têm os seus próprios equipamentos. A questão é se os deputados aproveitam ou não as instalações. No que diz respeito à assessoria aos deputados, não vejo qualquer espaço para o aperfeiçoamento.
– No seu entender, os deputados devem ter dedicação exclusiva?
V.H.F. – Não vejo essa exigência em Macau, esse regime de exclusividade não foi legalmente exigido na nossa Lei Básica.
– Como avalia o sistema de interpelações, de perguntas e respostas escritas e orais dos deputados? Funciona, no seu entender?
V.H.F. – Na próxima semana teremos outro plenário apenas com interpelações. Eu penso que esse regime é bom para que a Assembleia Legislativa exerça o seus poderes de fiscalização sobre as medidas tomadas pela administração. Tal regime não existia antes de 1999. Mas existe espaço para o seu aperfeiçoamento, nomeadamente em relação às duplicações de temas que os colegas deputados fazem. Podemos considerar a sua concentração na mesma interpelação quando os temas suscitados pelos deputados sejam iguais ou muito semelhantes.
– E o que precisa ser mudado no regimento do hemiciclo?
V.H.F. – Neste ponto em concreto não posso adiantar nada. Já pedimos à assessoria para apreciar o regimento em termos globais, porque este foi elaborado há mais de 15 anos, na véspera da transição da soberania. Embora tenha sofrido alterações pontuais ao longo dos anos, no âmbito da comissão já foi discutida e abordada a necessidade de uma revisão global e sistemática de todo o regimento. Depois das férias parlamentares vamos recomeçar as nossas reuniões para discutir ponto por ponto as eventuais alterações.
– A Assembleia Legislativa precisa de mais poder político para legislar e fiscalizar o Governo?
V.H.F. – Eu penso que a Lei Básica já enquadrou suficientemente os poderes da Assembleia Legislativa tendo em conta as realidades existentes em Macau. Eu penso que depois de 1999 a AL tem desempenhado bem as suas funções legislativas e de fiscalização. De qualquer maneira, todos as matérias merecem o seu aperfeiçoamento. Está a decorrer a consulta pública sobre a lei de enquadramento orçamental, eu penso que depois da sua alteração, os poderes de fiscalização sobre o Executivo em relação ao orçamento serão reforçados.
– Macau precisa de uma reforma política que impulsione uma maior participação popular nos processos eleitorais?
V.H.F. – Sim. Eu penso que em Macau ninguém se vai opor ao desenvolvimento político da região. Eu penso que o Governo de Macau tem de ouvir bem o que se passa na nossa sociedade. Qualquer desenvolvimento ou reforma política deve levar em consideração a cultura associativa de Macau.
– Como avalia os primeiros seis meses deste segundo mandato de Chui Sai On?
V.H.F. – Como cidadão, descobri vários pontos que merecem o nosso aplauso. Todos os secretários já estiveram na Rádio Macau, em conversas directas com a população para ouvir as opiniões dos cidadãos. Os titulares de pasta compareceram pessoalmente na AL para responder as interpelações dos deputados e também vão às reuniões das comissões da AL. Também já houve um grande número de propostas de lei apresentadas à Assembleia. Esta equipa de Governo tem a sua maneira de enfrentar os desafios, tem um forte ânimo para resolver os problemas deixados pelo desenvolvimento acelerado da economia de Macau nos últimos 15 anos.
– E a quebra das receitas do jogo, como Macau deve lidar com isto?
V.H.F. – Eu penso que essa quebra nos rendimentos do jogo é um facto, não podemos negar. Mas dá-nos uma oportunidade para reflectir sobre a diversificação da nossa economia, para crescermos como uma cidade internacional que vai atrair visitantes para outros domínios que não o jogo. Há vários projectos em construção no Cotai, depois da sua conclusão, estes vão ter um efeito muito forte para a diversificação da economia de Macau.
– Os analistas dizem que se o tabaco for completamente proibido nos casinos as receitas vão continuar a cair…
V.H.F. – A proibição do fumo nos casinos já começou há três anos. A saúde dos habitantes e a protecção da saúde dos funcionários dos casinos deve ser salientada. A quebra dos rendimentos dos casinos nos últimos 13 meses não resultou desta medida de controlo do tabaco.
– A contracção no jogo deve-se à campanha anticorrupção na China?
V.H.F. – A queda dos rendimentos resulta de vários factores. Nomeadamente, a meu ver, o controlo da deslocação de divisas para e de Macau afectou o jogo. Com a abertura de alguns casinos nos países vizinhos também há mais concorrência. Macau deve reflectir com cuidado sobre a forma como pode impulsionar a diversificação económica.
– Depois de 18 anos saiu da sociedade de advogados na qual era sócio para abrir o seu próprio escritório, por quê?
V.H.F. – Eu sou pai de dois filhos e eles também são advogados, é natural que os pais exerçam os seus deveres familiares. Nós, os pais, tentamos criar uma plataforma para que os nossos filhos aproveitem o que estudaram na escola, por isso esta decisão da constituição de um escritório de família.
– E como separa as suas responsabilidades como político e como advogado?
V.H.F. – Na Lei Básica de Macau e nos diplomas que regulam o estatuto de deputado não existe regime de exclusividade. Da minha parte, o mais importante é o trabalho parlamentar na Assembleia Legislativa.
– Mas como evita o tráfico de influências entre o advogado e o deputado?
V.H.F. – Existem regras que regulam o conflito de interesses. Quando haja qualquer possibilidade de conflitos de interesses os deputados devem mostrar ao público esta possibilidade. Eu já fiz isso numa intervenção sobre o regime de escritura pública das fracções de habitação económica.
– O que podemos esperar depois de 2049?
V.H.F. – Eu tenho confiança que Macau será cada vez melhor. Espero que os jovens, as novas gerações, possam desenvolver a experiência e os contributos deixados pela nossa geração.
– Mas Macau vai integrar-se na China ou manter um estatuto especial?
V.H.F. – Eu penso que depende do desenvolvimento do interior da China e também do desenvolvimento de Macau. A China continental está cada vez mais aberta, sem dúvida. A meu ver, a identidade singular de Macau é um factor muito importante para a RAEM. A eventual integração na China deve manter a identidade de Macau.