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ÁGUA DE COCO

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Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião

A água de coco é a justificação mais banal para a atração compulsiva que obriga inúmeros estrangeiros a regressar, uma e outra vez, a Timor-Leste. É uma explicação persuasiva, porque a água de coco sintetiza os procedimentos ocultos que sobem desde as raízes do coqueiro até à copa elevada sobre o solo, onde projeta a sua sombra difusa. Entre a luz que a trespassa, o ar que respira, no topo de um tronco esguio e irrequieto, e os nutrientes que metaboliza a partir das areias onde os coqueiros teimam em crescer. Sendo a ingestão eventual da água de coco uma pista plausível, não parece contudo oferecer explicação suficiente para o tropismo verificado e muito menos para a sua infinita recorrência. De facto, em cada regresso a Timor-Leste, reencontramos amigos que não cruzamos noutras rotas e, mais cedo ou mais tarde, partilham o mesmo destino, com pretextos diversos, desde o final do último milénio. Há até alguns, poucos, que uma vez lá chegados não voltaram a sair. Não. A água de coco, o clima ameno, o deslumbramento da paisagem não parecem razão bastante, mesmo se lhes acrescentarmos a hospitalidade afável, distante e cerimoniosa dos seus habitantes ou a atmosfera mística que tudo envolve e contamina: pedras e bichos, passado e futuro, vivos e ausentes.

Tudo isso descreve a singularidade do povo e o território que habita, mas o que verdadeiramente surpreende e fascina é a inesgotável resiliência, a determinação com que ali se constrói, passo a passo, uma nova comunidade capaz de persistência duradoura num Mundo conturbado pela ação corrosiva da globalização económica e cultural, política e comunicativa. A retirada das tropas indonésias, em setembro de 1999, deixou um rasto de destruição que a administração transitória das Nações Unidas não conseguiu apagar. A partir de 20 maio de 2002 - dia mágico da "restauração da independência" -, o I Governo Constitucional assumiu a missão quase impossível de fundar um Estado soberano entre as duas poderosas potências vizinhas e de inventar uma democracia moderna sem o lastro de instituições administrativas nem tradições de representação democrática que a colonização e a ocupação militar, aliás, rigorosamente proibiam. São bem conhecidas as atribulações e sobressaltos que os timorenses enfrentaram desde então mas sabemos também que foram sempre ultrapassadas: o confronto entre as forças armadas e a polícia, milhares de deslocados, um atentado contra a vida do Presidente da República. Seis governos constitucionais se sucederam - com diferentes protagonistas e maiorias parlamentares diversas, configurando múltiplas constelações políticas - em harmonia com a vontade popular expressa em eleições regulares, no escrupuloso respeito pela Lei Fundamental.

As tarefas que pesam sobre o VI Governo Constitucional - que tomou posse a 16 de fevereiro deste ano e dispõe, apenas, de dois anos até à conclusão da legislatura - não são mais leves, nem de menor risco. Enquanto assegura a presidência rotativa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - e celebra os 500 anos do primeiro contacto entre os dois povos -, Timor-Leste assume novos desafios. O VI Governo é, ele próprio, a expressão de um desígnio de passagem de testemunho geracional assumido por Xanana Gusmão que, para isso, renunciou à chefia do Governo anterior, depois de forjar um pacto de unidade nacional com a Fretilin, o maior partido da oposição. Além do planeamento estratégico e do desenvolvimento sustentável, preocupações permanentes do executivo, a justiça e a administração pública reclamam reformas urgentes. Como dissemos antes, são pilares fundamentais da jovem democracia timorense que foram construídos a partir do nada, sem experiência, nem cultura institucional próprias, que carecem da premente qualificação dos seus agentes e da implantação de sistemas adequados de inspeção e controlo que garantam a satisfação dos cidadãos, num quadro legal claro e coerente capaz de responder às legítimas expectativas de uma sociedade cada vez mais exigente. É esse esforço, imaginação e ousadia o que explica o nosso fascínio.

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