Díli, 17 mai (Lusa) - Dois terços das mulheres timorenses consideram que devem aguentar violência dos maridos para manter a família junta e 81% vê justificado que o companheiro lhes bata se não lhe obedecerem ou cumprirem bem as tarefas domésticas, segundo um estudo.
O estudo, que vai ser apresentado na quarta-feira em Díli, foi realizado pela Asia Foundation e pelo programa Nabilan e financiado pelo Governo australiano.
Com base em sondagens a 1.426 mulheres e a 839 homens, o estudo é o primeiro retrato da prevalência da violência física e sexual contra crianças e mulheres, a forma como a sociedade timorense não lida com o problema e o impacto que isso tem na sociedade.
Um problema comprovado pelos participantes no estudo: Três em cada cinco mulheres timorenses foram vítimas de violência física ou sexual pelos seus parceiros, 14% das mulheres timorenses foram violadas fora da relação e 3% foram vítimas de violações coletivas.
O estudo aponta porém a tendência em Timor-Leste para a maioria da sociedade considerar que a violência é aceitável, especialmente dentro da família, opinião mais vincada por mulheres que foram elas próprias vítimas de violência.
Assim, quase dois terços das mulheres e dos homens (61%) disseram que a mulher deve aguentar a violência para manter a sua família unida.
A maioria das mulheres (81%) e dos homens (79%) considera que um marido pode bater à mulher em determinadas circunstâncias, "como quando ela lhe desobedece, quando ela não completa satisfatoriamente o trabalho doméstico".
Mulheres que tinham experimentado violência do companheiro íntimo, nota-se no estudo, e os homens que perpetraram violência "são mais propensos a concordar com estas justificações de violência contra as mulheres".
A maioria das mulheres (83%) e dos homens (71%) considera que o papel mais importante da mulher é manter a casa em ordem e mais de 80% considera que "para ser um homem, é preciso ser duro".
O estudo mostra ainda que um quarto das mulheres acha que não podem recusar sexo com o marido em qualquer circunstância, inclusive se estiver doente ou ele estiver bêbado. Mais de 80% dos homens diz que uma mulher não pode recusar sexo ao marido, que não é violação se a mulher não lutar contra o agressor ou se for o caso de uma prostituta.
O estudo quis ainda perceber a motivação da ação dos homens, que apontaram argumentos como sentimentos de direito sexual, divertimento e até aborrecimento.
Mais de metade admitiu "preocupação" pelo que tinha feito mas mais de 60% não sofreram quaisquer consequências pelo ato e apenas 10% foram presos, com os restantes a passarem alguma forma de justiça comunitária, incluindo indeminizações ou conversas com os mais velhos.
Os efeitos da violência notam-se em toda a sociedade, com maior depressão e mais tendências para o suicídio entre vítimas, evidenciando-se ainda maior propensão entre homens que foram vítimas de abusos para eles próprios cometerem atos violentos.
A nível de saúde, o estudo indica que um terço das mulheres (32%) não recebeu o cuidado médico de que precisava, que 66% das mulheres vítimas de violência física ou sexual nunca contaram a ninguém sobre a violência e a grande maioria admite que a primeira reação não foi procurar assistência das autoridades e só 3% recorreu à polícia.
Apesar de mais de metade dos homens admitir ter pagado por sexo, apenas um em cada 10 disse que tinha usado preservativos, o que indica "uma maior necessidade de educação e prestação de serviços para a saúde sexual", num país onde a promoção do uso do contracetivo é mal vista.
O próprio estudo acabou por ser positivo para os intervenientes, com uma ampla maioria a considerar ter sido benéfico poder partilhar a sua experiência de violência com outros, sabendo de antemão que os seus casos seriam tratados com confidencialidade.
ASP // VM