Hong Kong, 13 mai (Lusa) -- Hong Kong aprendeu com Macau "uma lição valiosa" sobre o que não fazer para reagir aos motins durante a Revolução Cultural chinesa, defende Peter Moss, antigo quadro dos serviços de informação da antiga colónia britânica.
"Graças à humilhação infligida à administração portuguesa em Macau no ano anterior, o Governo de Hong Kong aprendeu uma lição valiosa sobre como não tratar os esquerdistas quando tentaram os mesmos estratagemas em Hong Kong em 1967", disse Peter Moss à agência Lusa a propósito dos 50 anos do início da Grande Revolução Cultural Proletária, que agitou a China entre 1966 e 1976.
Peter Moss referia-se ao motim de 03 de dezembro de 1966 contra o Governo de Macau, que ficou para a História como "1,2,3".
Quando o fundador da República Popular da China, Mao Zedong, lançou a Revolução Cultural, em 16 de maio de 1966, para erradicar os velhos hábitos e ideias da sociedade chinesa, Peter Moss tinha iniciado funções no departamento de propaganda do governo de Hong Kong há cerca de um ano.
"Todos em Hong Kong ficaram surpreendidos, mas sentimos que foi uma vantagem para Hong Kong que Macau tenha tido aquela experiência, porque ensinou-nos o que não devíamos fazer quando encontrássemos o tipo de oposição que Macau encontrou. Eles humilharam o vosso governador (Nobre de Carvalho), fizeram-no ficar de pé no pátio. E nós aprendemos bastante com essa lição", afirmou à Lusa.
Foi sobretudo entre maio e dezembro de 1967 que a então colónia britânica viveu o período de maior violência, que incluiu atentados à bomba, com o exército britânico a ser chamado a patrulhar as ruas para apoiar a polícia. Desse período há registo de 51 mortos.
"A forma como lidámos com a situação fez com que ganhássemos [o apoio da] população, porque as pessoas podiam ver -- da cobertura televisiva e de testemunhos em primeira mão --, que os provocadores eram os que estavam a causar estragos. Só quando a polícia percebeu que tinha o total apoio da opinião pública é que retaliou em força", disse à Lusa o antigo agente dos serviços de informações.
Em Macau, "depois dos incidentes, quando as autoridades portuguesas recuaram, ficou claro que estavam sob a influência dos comunistas. Não havia mais necessidade de incidentes, porque, na verdade, a administração portuguesa estava a curvar-se perante a China", referiu Peter Moss.
"Foi por isso que foi restaurada a relativa paz, não havia mais necessidade para oposição violenta. Foi em Hong Kong que tivemos a oposição violenta, porque não íamos ceder em relação à China. Não os íamos deixar ganhar, não os íamos deixar tomar conta e mudar o governo", acrescentou.
O agora escritor destaca também o envolvimento nas manifestações contra os britânicos do setor privado em Hong Kong.
"Quem trabalhava para algum tipo de organização chinesa era esperado que agitasse o Livro Vermelho (com os ensinamentos de Mao Zedong) e gritasse 'slogans' maoístas", afirmou.
Sobre a forma como Pequim lidou com a situação na então colónia britânica, Peter Moss considera que "Hong Kong tem uma grande dívida de gratidão" para com Zhou Enlai, que ocupou o cargo de primeiro-ministro desde a fundação da República Popular da China (01 de outubro de 1949) até à sua morte, em 1976.
"Se não fosse Zhou Enlai a evitar os piores excessos contra Hong Kong, teríamos sofrido muito mais. (...) Zhou Enlai percebeu que Hong Kong era muito importante para a China como a sua única porta aberta para o mundo ocidental e estava determinado a manter essa porta aberta. De outra forma, a China estaria completamente isolada", afirmou.
A Grande Revolução Cultural Proletária, que agitou a China de maio de 1966 até à morte de Mao Zedong 10 anos depois, pretendeu purgar a República Popular da "infiltração de elementos burgueses" nas estruturas do governo e da sociedade.
Por todo o país, os Guardas Vermelhos, na larga maioria grupos de adolescentes e jovens sempre acompanhados pelo "livro vermelho" com os ensinamentos de Mao, ocuparam todas as estruturas da sociedade para impor o novo modelo, enquanto milhões de estudantes e intelectuais foram enviados para os campos para "reeducação" pelo trabalho.
Milhões de pessoas sofreram humilhação pública, prisão arbitrária, tortura, confiscação de bens. A tradição cultural milenar foi renegada, museus, monumentos e livros foram destruídos.
Estimativas colocam em 750.000 mortos o resultado da violência da Revolução Cultural.
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