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Hong Kong "continua com raiva" quase dois anos após 'Occupy'

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Hong Kong, China, 03 abr (Lusa) -- Quase dois anos depois do movimento Occupy, Hong Kong "continua com raiva" e a ser "uma casa com uma fuga de gás prestes a explodir", considera o autor do livro "Umbrellas in Bloom", que vai ser lançado na quarta-feira.

"Hong Kong está a passar pelas cinco fases do luto, em resposta a um trauma. Ainda estamos na segunda fase, que é a da raiva", disse Jason Y. Ng, em declarações à agência Lusa.

"Quando descarregarem a raiva e se livrarem da frustração, as pessoas vão começar a olhar para a política de uma forma mais racional ou com mais vontade de fazer compromissos, mas por agora, com o crescimento do 'localism' [grupos mais radicais anti-Pequim], é muito difícil falar de compromisso e de negociação, porque as pessoas estão zangadas e só querem livrar-se da raiva", acrescentou.

Em ano de eleições para o Conselho Legislativo, em setembro, a tendência, segundo analistas, é para o agravamento das tensões.

Jason Y. Ng compara Hong Kong a uma casa com uma fuga de gás. "Já explodiu uma vez", considerou, em alusão aos confrontos entre grupos locais e as autoridades no início de fevereiro.

"Mas o problema é que, depois dessa explosão, nada foi feito para acabar com a fuga de gás. Basta uma faísca para haver uma nova explosão", observou.

Por outro lado, considera "um sonho impossível" a ideia de independência da China promovida pelos grupos 'localists' mais radicais: "É algo tão impraticável (...) que nunca vai acontecer. É exatamente como usar a antiga bandeira colonial [nos protestos]: não quer dizer que adoramos os britânicos ou sentimos falta do governo colonial. É mais para aborrecer Pequim", apontou.

"Não sabemos quando é que isso vai acontecer. Talvez a próxima explosão seja em 2017, o ano em que supostamente teríamos a possibilidade de eleger diretamente o nosso líder, mas que acabámos por não conseguir. E se CY Leung (chefe do Executivo), que é tão impopular, conseguir ser reeleito, isso pode ser 'a faísca' para a próxima vaga de levantamento social", afirmou.

Inicialmente previsto para o final de 2015, o livro "Umbrellas in Bloom", sobre o movimento de desobediência civil que em 2014 ocupou ruas do centro de Hong Kong em defesa do sufrágio universo universal, sofreu alguns atrasos na impressão, por várias gráficas da cidade terem recusado imprimi-lo, alegadamente, por causa do seu conteúdo.

"Finalmente conseguimos encontrar uma gráfica, que aceitou o trabalho sob a condição de não ser mencionada, o que acaba por ser quase ridículo porque normalmente o nome das gráficas nem sequer é referido nos livros", disse o autor.

"Umbrellas in Bloom" começa com uma introdução sobre o sistema político de Hong Kong.

"A maioria das reportagens, por exemplo na CNN ou no New York Times, ou mesmo na imprensa local, não explica o sistema como sendo [o acumular] de décadas de frustração social que conduziram à explosão do movimento, e foi isso que tentei fazer, para ajudar a perceber porque é que as pessoas estavam a tomar a medida drástica de ocupar as ruas durante 79 dias", explicou.

Jason Y. Ng marcou presença nos vários locais de protesto, onde o autor - colunista na imprensa de Hong Kong - foi tutor voluntário de estudantes, jornalista freelancer, e acompanhou grupos que coordenavam a logística dos acampamentos improvisados.

Além desse "lado humano", o livro também inclui entrevistas a figuras-chave do movimento, como o professor da Universidade de Hong Kong, Benny Tai, e o líder estudantil do entretanto extinto movimento 'Scholarism', Joshua Wong, na altura com apenas 17 anos.

As entrevistas já foram feitas após o fim do Occupy, "quando houve tempo para refletir sobre o que aconteceu e olhar para o futuro".

Apesar de o Occupy ter falhado o grande objetivo de "alcançar o verdadeiro sufrágio universal e conseguir eleger diretamente o chefe do Executivo em 2017", porque "Pequim não recuou", o movimento teve o "grande ganho do despertar da consciência social", observou Jason Y. Ng.

"As pessoas estão tão sensíveis às questões da política e atualidade, que se tornou difícil para o governo conseguir escapar ao escrutínio público", sublinhou.

FV // PJA

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