Díli, 16 fev (Lusa) - Os partidos timorenses com assento parlamentar estão a estudar um eventual processo contra o Presidente da República por violação das suas obrigações constitucionais ao exonerar o chefe das forças de defesa, disseram hoje fontes parlamentares.
Caso avance para o Tribunal de Recurso - a mais alta instância judicial do país - esse processo poderia levar à destituição de Taur Matan Ruak.
Fontes de três das quatro bancadas com assento parlamentar confirmaram hoje à Lusa que essa possibilidade tem sido debatida em várias reuniões políticas mantidas nos últimos dias, incluindo um encontro com os líderes das bancadas mantido no fim-de-semana passado.
"Estamos a debater a situação. Consideramos que foi uma decisão complicada do Presidente Taur", disse à Lusa fonte do Congresso Nacional para a Reconstrução de Timor-Leste (CNRT), partido que hoje fez uma declaração política, apoiada pelas restantes bancadas, a questionar a decisão do chefe de Estado.
"É uma situação muito complicada. Todos concordamos que o chefe de Estado não cumpriu as suas competências constitucionais adequadamente", frisou fonte da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), enquanto fonte do Partido Democrático (PD) referiu que se vive um momento "de grande complexidade".
O assunto assumiu contornos políticos há uma semana quando o chefe de Estado decidiu exonerar o chefe de Estado-Maior das Forças Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), o major-general Lere Anan Timur, promovendo como seu sucessor o brigadeiro-general Filomeno da Paixão de Jesus.
Taur Matan Ruak explicou ter optado "pela sucessão nas F-FDTL, dando continuidade ao processo iniciado em 2011 com a sua própria sucessão na liderança das F-FDTL".
A polémica surgiu, porém, pelo facto de a decisão de Taur Matan Ruak não seguir a proposta do Governo, aprovada na reunião do Conselho de Ministros de 12 de outubro do ano passado, que defendia a renovação do mandato de Lere Anan Timur.
Em causa está a interpretação sobre a forma como o artigo 86 da Constituição timorense, relativo às competências do Presidente da República, se aplica no caso de nomeação do chefe das forças de defesa.
O chefe de Estado, explica o artigo, tem competência de "nomear e exonerar, sob proposta do Governo", o Chefe do Estado-maior das Forças Armadas.
A Presidência da República insiste na interpretação de que o artigo não obriga o chefe de Estado a seguir a recomendação do Governo e que a decisão final lhe cabe exclusivamente a si, ou seja de que não tem que respeitar a proposta do Governo.
O executivo e os partidos parlamentares defendem o contrário, afirmando que esta é uma competência equivalente à da nomeação dos membros do Governo, neste caso, sob proposta do primeiro-ministro, pelo que Taur Matan Ruak deveria ter seguido a recomendação do executivo.
Este tema marcou as duas sessões plenárias do parlamento desta semana, com as bancadas a adiarem, na segunda-feira, uma votação da autorização para que o PR visite o Japão em março e a usarem o período antes da ordem do dia para criticar a decisão do chefe de Estado.
O assunto foi hoje novamente debatido com a bancada do CNRT a ler uma declaração em que ameaça o chefe de Estado de que se este não recuar na decisão pode avançar com um processo, num texto apoiado pelas bancadas da Fretilin e da Frente Mudança.
O CNRT refere que a competência de Taur Matan Ruak neste caso é "condicionada" e que se discordasse da proposta do Governo deveria ter falado com o executivo para procurar uma "solução concertada".
Apesar da decisão de Taur Matan Ruak ter sido comunicada pelo seu gabinete a 09 de fevereiro, oficialmente o decreto com a exoneração de Lere Anan Timur ainda não foi publicado no Jornal da República.
Fonte da Presidência confirmou à Lusa terem sido dadas instruções para suspender a publicação "mas apenas porque ainda não está marcada a cerimónia de tomada de posse que teria que ocorrer assim que o decreto fosse publicado".
Apesar disso, garantiu, "a decisão política do Presidente está tomada, mantém-se e não se vai alterar".
A iniciativa de um processo contra o Presidente do República por "violação clara e grave das suas obrigações constitucionais" está determinada no artigo 79 da Constituição.
Para avançar, o processo tem que ser proposto por pelo menos um quinto dos 65 deputados e a deliberação aprovada por maioria de dois terços.
O acórdão é proferido pelo plenário do Tribunal de Recurso no prazo máximo de 30 dias e "a condenação implica a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição".
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