O Papa Francisco foi recebido esta quarta-feira na Casa Branca por Barack Obama, num dos pontos mais aguardados da sua visita aos Estados Unidos e deixou logo bem claro no seu discurso de boas-vindas que não pretende disfarçar os temas que preocupam a Igreja americana em nome da diplomacia.
A presidência de Obama tem visto um acentuar de conflitos entre católicos e o governo, nomeadamente devido a questões de liberdade religiosa. No âmbito da sua reforma do sistema de saúde – conhecida como ObamaCare – o Presidente pretende obrigar muitas instituições religiosas a fornecer aos seus funcionários seguros de saúde que incluem a cobertura de contraceptivos e de medicamentos abortivos, sob pena de pagamento de multas incomportáveis. As tentativas de encontrar uma solução para este dilema não foram bem-sucedidos e tudo indica que apenas o Supremo Tribunal, ou uma nova administração, conseguirá resolver o problema.
Ao mesmo tempo foi na administração de Obama, e com forte encorajamento da sua parte, que se legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país, o que tem levado a uma série de eventos que a Igreja interpreta como graves ameaças à liberdade religiosa. Há casos de donos de pastelarias e de floristas que foram multados por se recusarem a servir casamentos homossexuais e mais recentemente uma funcionária pública foi detida por se recusar a assinar certidões de casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A posição de Obama foi deixada clara também nesta recepção, para a qual convidou vários activistas homossexuais, incluindo um professor que foi despedido de uma escola católica depois de ter contraído um casamento homossexual e Gene Robinson, o primeiro bispo abertamente homossexual da história da Igreja Episcopaliana, o ramo americano da Igreja Anglicana.
Sem rodeios
O Papa começou o seu discurso com um gesto de paz e de encorajamento ao Presidente e aos democratas em geral na questão da imigração. Obama tem promovido uma atitude de tolerância para tentar resolver o drama de centenas de milhares de imigrantes da América central, sobretudo do México, que todos os dias tentam entrar nos Estados Unidos, perante a oposição cerrada dos seus adversários republicanos. “Como filho de uma família de emigrantes, sinto-me feliz por ser hóspede nesta nação, que foi construída em grande parte por famílias semelhantes”, disse o Papa.
Mas logo no parágrafo seguinte Francisco falou na “fidelidade aos princípios fundadores” dos Estados Unidos. Deve-se notar que o país foi construído numa base de respeito pela convivência religiosa e a liberdade religiosa está consagrada precisamente na primeira emenda à Constituição.
O Papa sublinhou ainda que o motivo da sua visita é a participação no Encontro Mundial das Famílias, que se realiza em Filadélfia, “cuja finalidade é celebrar e apoiar as instituições do matrimónio e da família, num momento crítico da história da nossa civilização”.
Na questão da homossexualidade a Igreja e outros adversários da mudança do conceito natural de casamento têm sido frequentemente apelidados de intolerantes e defensores da discriminação. O Papa, contudo, deixou claro que não é disso que se trata quando disse que os católicos americanos estão comprometidos “na construção de uma sociedade que seja verdadeiramente tolerante e inclusiva” e “na rejeição de qualquer forma de discriminação injusta”.
Mas os mesmos católicos estão preocupados com as ameaças à liberdade religiosa, diz Francisco. “Esta liberdade permanece como uma das conquistas mais valiosas da América. E, como os meus irmãos bispos dos Estados Unidos nos lembraram, todos somos chamados a vigiar, precisamente como bons cidadãos, por preservar e defender tal liberdade de tudo o que a possa pôr em perigo ou comprometer.”
De seguida, porém, Francisco adoptou um tom mais conciliador, referindo-se às preocupações ambientais, que são uma causa que o Vaticano partilha com Washington.
Por fim, e sem nunca referir directamente a sua anterior visita a Cuba, o Papa elogiou os “esforços feitos recentemente para reconciliar relações que haviam sido rompidas” e que constituem “passos em frente no caminho da reconciliação, da justiça e da liberdade”, mas fez acompanhar esse elogio de um pedido para que os americanos “apoiem os esforços da comunidade internacional para proteger os mais vulneráveis no nosso mundo e promover modelos integrais e inclusivos de desenvolvimento”, no que pode ser lido como uma referência à crise dos refugiados na Europa, bem como, de modo mais geral, aos conflitos mundiais que lhes dão origem.
Foto: Barack Obama recebeu Papa Francisco na Base Andrews, da Força Aérea, em Maryland, nos Estados Unidos, 22 de Setembro 2015. EPA@ Saul Loeb
SAPO TL com Renascença